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sexta-feira, 21 de junho de 2013

Democracia sim, ditadura não.

A primeira pergunta que o estrategista tem de se fazer é: quem sou eu; quem é meu adversário? Não, não houve equívoco de português. Essas não são duas perguntas, é a forma composta de uma só. Estrategicamente, quem sou eu depende de quem seja meu adversário e quem é meu adversário depende de quem seja eu.
Temos muitas identidades: a identidade real (aquela que temos para nós), a identidade virtual (a que os outros nos atribuem), a identidade jurídica (que é cartorialmente reconhecida no sistema social) e a identidade pragmática (a que deriva de nossas ações e do nosso modo de agir). No conjunto, elas compõem nossa representação social – o que somos como seres sociais. A identidade estratégica é a representação social de um ator conforme determinada por um antagonismo, isto é, a identidade do ator como combatente contra outro ator ou conjunto de atores.
Embora haja atores sociais referidos por denominações genéricas, que podem ser substantivos comuns ou nomes próprios, e os chamemos de atores porque a eles atribuamos um agir específico, determinado e voluntário, só pessoas praticam ações. O governo nada faz; quem faz é D. Dilma, o ministro Mercadante, a ministra Gleisi etc. O Senado nada diz; quem diz é o senador Taques, o senador Buarque, o senador Calheiros (com muitas desculpas por usar os nomes dos três na mesma frase) etc. A autoridade do governo, não se confunde com a de D. Dilma, nem a autoridade do Senado se confunde com a do senador  Calheiros; entretanto essas personalidades podem agir, respectivamente, em nome do governo ou do Senado, mas suas ação são sempre ações das pessoas que elas são, e não há ações que não sejam de pessoas.
Juridicamente, essa distinção pode ser ou não relevante; estrategicamente é sempre relevante, embora muitas pessoas não saibam disso. É relevante porque a identidade estratégica do ator não depende apenas de sua definição jurídica, mas tem a ver com sua identidade pragmática e a caracterização do modo de agir do ator complexo envolve quem pratica tais ou quais ações, em nome dele ou em seu próprio nome, mas pertencendo a ele.
Na retórica política, por astúcia ou ingenuidade, costuma-se utilizar nomes pomposos e comovedores para designar atores cujas identidades são nebulosas: o povo, as elites, o sistema, a mídia, o partido, a igreja e assim por diante. Mas quem é o povo? Quem é o sistema? Quem são as elites? Etc. Em geral, a resposta vem fácil, rápida e fulminante. Ela caracteriza uma parcela desses atores de maneira igualmente fluida e indefinida, mas apresentada na feição que interessa a quem esteja respondendo. O povo é a gente sofrida e trabalhadora. As elites são aqueles que se locupletam com o dinheiro do povo. O sistema é essa engrenagem perversa que mantém a injustiça. E pode muito bem acontecer que quem assim responde seja alguém que não trabalha, se locuplete com o dinheiro do povo e faça isso graças à engrenagem perversa que mantém a injustiça – tudo aquilo de que essa hipotética pessoa se deseja distanciar estrategicamente ao dar semelhante resposta. Coisas como tais, nada acrescentam, mas despertam as emoções de quem esteja indagando na linha do interesse de quem assim “define” os atores que não foram, afinal, definidos. Talvez a reposta possa ser até mais restritiva na sua imprecisão: o povo é você; as elites (ou  sistema) são eles! É bonito, mas continua inespecífico. Um indivíduo não é o povo e “eles” pode ser qualquer um.
Percebe-se que esse modo de falar, além do apelo que faça à emoção do destinatário, tem uma característica fundamental: impede a comprovação da verdade, mediante o confronto com dados factuais, de qualquer afirmativa que se faça usando esse tipo de termos.
Meu eventual leitor poderia alegar que esta afirmativa, sim, é factualmente falsa, dando como exemplo uma frase do tipo “os políticos são corruptos” confrontada com numerosíssimos caso de corrupção de políticos. Eu teria de explicar que, no sentido lógico, os numerosíssimos casos de corrupção de políticos provam, apenas, que políticos corruptos ou, até, que numerosos políticos são corruptos, mas não prova que os políticos (isto é, todos os políticos, sem exceção) sejam corruptos.  Isto, que pode parecer uma filigrana acadêmica, tem fortes implicações. Se fosse verdade que os políticos são corruptos, a consequência lógica seria a desqualificação necessária da democracia representativa em benefício de uma ditadura iluminada, seja teocrática, seja profana.
A demonização de atores complexos serve, apenas, para colher apoio a sua destruição, o que atende a interesses de outros atores complexos em busca da hegemonia. É preciso, portanto, que se questione que legitimidade têm os atores em busca da hegemonia para que ela lhes fosse concedida. Como se prova que a supremacia inconteste de tais atores representaria, para usar as palavras de D. Pedro I, “o bem do povo e a felicidade geral da nação”?
A resposta a esse incômodo questionamento viria, possivelmente em uma peroração na qual expressões como “compromisso histórico”, “lutas históricas”  e “povo” seriam abundantemente empregadas para produzir um discurso cuja verdade em termos factuais continuaria a ser impossível de verificar-se.
O equilíbrio democrático é dinâmico. Ele não pressupõe a supremacia incontrastável nem a destruição de qualquer ator que represente interesses coletivos, mas coloca-se, necessariamente, em um espaço de negociação livre no qual a natureza desses interesses seja explicitada e sua posição na pauta geral dos interesses sociais seja situada, ainda que temporariamente, até que nova correlação de forças se manifeste. A natureza do regime democrático não é solucionar os problemas por atos de uma autoridade absoluta; é justamente manter em atividade esse espaço de negociação livre, de modo que a sentença de morte que hoje parece justa possa ser revogada amanhã quando sua injustiça parecer igualmente gritante.
A democracia é medíocre e lenta, e nisso reside sua maravilha. Ela pode errar e corrigir o erro. Depois, pode descobrir que errara ao corrigir, e refazer o que fora desfeito. As ditaduras não. Sejam elas de direita ou de esquerda, os ditadores, ou alguém por eles, são infalíveis. Eles conhecem a verdade e anteveem o futuro, e quem não percebe isso ou é um ignorante que precisa ser corrigido ou é um malicioso que precisa ser punido. Portanto, jamais a opinião discordante (chamada, então, de dissidente) deve ser ouvida e ponderada. Na democracia, quem discorda é opositor, e só deve ser combatido com argumentos, não obstante os eventuais donos do poder se sintam irritados demais para argumentar. Nas ditaduras, os dissidentes são apresentados e perseguidos como criminosos contra o Estado e contra o povo, enquanto, na verdade, são, apenas, opositores ao agir de pessoas que se arrogam a propriedade exclusiva da verdade apenas porque, em suas crenças pessoais, o sejam inequivocamente.
Pelos motivos acima expostos, sou um democrata. Posso viver sob uma ditadura, e até já vivi, mas acredito nos valores da democracia. E um dos principais valores da democracia é responsabilidade política dos agentes públicos. Não quero saber de “os políticos”, “o partido” ou “o sistema”. Quero saber quais políticos, quem no partido ou o quê no sistema. Não quero grupos demonizados, como não quero grupos blindados contra a crítica. Posso ter simpatias e antipatias, como os demais também as têm e podem ter, mas na hora de decidir cursos e ação, é preciso agir como estrategista, e o estrategista tem, a lhe dirigir o julgamento, não seus próprios gostos, mas os propósitos cuja realização deve avaliar. Em especial, o estrategista político democrático nunca pode perder de vista que se o espaço de negociação livre for fechado à ação política, acaba-se a democracia e, sem ela, quaisquer ganhos passam a depender da vontade do poderoso do dia.
A democracia, por si só, não é a solução mágica de todos os problemas. Por outro lado, é possível receber benesses em uma ditadura. O que não é possível na ditadura é ter direitos. Eu sei que não existem soluções miraculosas e não quero benesses, eu quero direitos, e direitos para todos. Isto só é possível dentro de uma ordem jurídica que, se insatisfatória, deve ser aperfeiçoada, nunca abolida.

Portanto, se me disserem que é preciso destruir isso ou aquilo, eu perguntarei: Destruir? Mas destruir o quê, exatamente? Punir? Mas punir a quem, exatamente? E se me sugerirem um slogan como “todo poder ao povo” ou a qualquer outro coletivo que nada significa, eu direi que sou contra, sem mesmo perguntar quem é, neste caso, o “povo”, porque qualquer indivíduo ou grupo de indivíduos que seja apresentado em resposta certamente não merece todo o poder. O poder não precisa ser dado ao povo. Na democracia, ele já o tem. Apenas, no caso brasileiro, parece que só agora ele está descobrindo isso.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Tem peru na roda!

Não sei se a expressão ainda está em uso, mas, antigamente, “peru” era o indivíduo que, nos jogos carteados (e, por extensão, em toda e qualquer outra atividade), punha-se de parte, olhando os jogadores sentados à mesa em disposição circular: a roda do jogo. Desse modo, o peru poderia ver a carta de algum ou alguns dos participantes, o que o colocaria em condições de, por meios habilidosos, transmitir essa informação a adversários. Estes, assim, ganhavam significativa e desonesta vantagem. Tal acepção do termo "peru" estendeu-se com o verbo “peruar”, de uso coloquial, significando intrometer-se; forçar participação, em geral indesejada.
O peru dos jogos é um espião, e é sempre difícil determinar até que ponto espiões só espiam ou se interferem de outro modo nas situações de que participam. Nos movimentos políticos, frequentemente há perus que interferem, e interferem poderosamente, com tanto mais credibilidade quanto se revelam os mais apaixonados cultores da causa defendia.
Em 1964, no Brasil, a tensão político-social crescia cotidianamente. O povo alheio aos entrechoques políticos sofria com greves cotidianas de tudo quanto era serviço e assustava-se com a retórica retumbante dos próceres da esquerda defendendo as “reformas de base”, que o homem comum não sabia exatamente em que iriam afetar sua vida. Sabia, sim, porque isso lhe era dito pelos mais respeitáveis formadores de opinião, que estava exposto ao “perigo comunista”, cujo objetivo seria proibir-lhe a adoração divina e desfazer-lhe a família, além de submetê-lo a um estado policial opressor. Esta última ameaça era bem crível, porque assim era na União Soviética e nos seus Estados-satélites do leste europeu (embora o fosse, também, na Espanha de Franco, no Portugal de Salazar e, de modo geral, em todo e qualquer regime ditatorial mantido pela força militar). Então, o povo das grandes cidades pedia a Deus que o livrasse do perigo comunista e, em São Paulo, chegou a produzir-se a Marcha da Família, com Deus, pela Liberdade, que reuniu cerca de meio milhão de pessoas, em março de 1964.
Se Deus resolvesse atender ao pedido desse povo, teria de ser por meio dos militares.
A estrutura das forças armadas brasileiras em 1964 era muito diferente da atual. Hoje um oficial-general não pode ficar mais de quatro anos no mesmo posto nem mais de 12 no generalato. No passado, havia generais bem mais antigos, que se tinham tornado líderes militares e líderes políticos dentro da força armada.  Exatamente por saber como isso funcionava, o marechal Umberto de Alencar Castelo Branco, chegando ao poder, alterou a lei de promoções dos oficiais-generais no sentido de produzir-se uma força mais profissional e menos politizada.
Havia, portanto, também, em 1964, inquietação político-militar, com genreais de direita e de esquerda, além daqueles que se aferravam aos ditames fundamentais de sua carreira: hierarquia e disciplina.
Foi assim que o golpe de 64 se deflagrou. Um certo cabo Anselmo (José Anselmo dos Santos), praça da Marinha de Guerra, começou um movimento para-sindical entre cabos e sargentos da força naval. Esse movimento forçou uma ultrapassagem de limites que punha em risco a estabilidade hierárquica e disciplinar da força, com as bênção de alguns oficiais, como o vice-almirante Cândido da Costa Aragão, comandante do Corpo de Fuzileiros Navais.  Quando se vislumbrou o apoio do presidente da República a essas atividades, o governo passou a ser visto como risco para a estabilidade militar e o golpe amadureceu. Anos mais tarde, divulgou-se que o aguerrido cabo Anselmo fora agente da CIA. Na verdade, preso depois do golpe de 64, foi expulso da Marinha, mas “fugiu” e refugiou-se me Cuba, tendo-se revelado, posteriormente, destacado colaborador do sistema estatal brasileiro de repressão aos movimentos de guerrilha que se desenvolveram nos anos de 1970.
É preciso que se diga, para benefício das mentes simples, que o golpe de 64 não foi comandado desde Washington. Embora atendesse aos interesses geopolíticos dos Estados Unidos e tivesse a plena simpatia do governo americano, simpatia que poderia ter-se convertido em apoio inclusive militar, conforme assegurava o embaixador Lincoln Gordon, esse apoio não foi aceito nem usado pelos conspiradores. Eles tinham, interna corporis, suficientes razões e suficiente indignação para por cobro a uma situação que, de seu ponto de vista, era calamitosa.
Não posso afirmar, por não saber de fonte segura, se os hesitantes líderes do golpe de 64 sabiam, à época, da vinculação externa de cabo Anselmo. Acredito que não sabiam. Mas tenho certeza de que a agitação naval os assustava mais que as reformas de base.  Afinal, naquela época, generais não eram usualmente latifundiários nem investidores no mercado de capitais. Mas as estrepolias do cabo Anselmo e seus colegas mexiam com algo que lhes interessava bem de perto: o comando e controle de sua força.
Então, quando, em movimento aparentemente atabalhoado, um general de hierarquia inferior, Olímpio Mourão Filho, botou a tropa na rua, o jeito da cúpula militar foi ir junto e derrubar o governo. É verdade que Mourão Filho fora alegadamente participante de outra jogada política que dera pretexto ao golpe de Getúlio Vargas em 1937. Ele foi acusado de ser o autor ou um dos autores do Plano Cohen, uma contrafação apresentada como indício veemente de um iminente golpe comunista, e Vargas, diante das evidências e na defesa da ordem e proteção dos cidadãos, proclamou o Estado Novo, outorgando uma Carta que lhe dava poderes ditatoriais. Curiosamente, o autor intelectual dessa Carta, o jurista Francisco Campos, foi o mesmo que, em 1964, orientou a redação do Ato Institucional (sem número, mas o primeiro de sua espécie) pelo qual o movimento militar de 1964 se configurou no plano jurídico-político. 
Recentemente, o ator Carlos Vereza divulgou um vídeo em que alerta para sinais de manipulação do movimento reivindicatório por elementos ligados ao governo, que seria, pelos motivos que expõe, beneficiado com o clima que se está instaurando. Eu mesmo tenho visto algumas postagens na internet de caráter claramente provocador, dando ao que acontece hoje um caráter beligerante que não se situa no plano da luta cidadã, para situar-se no da rebelião violenta. Hoje, em Salvador, que parecia um primor de civilidade nas passeatas, a violência eclodiu.
Tudo na vida tem duas faces – é o lugar comum da metáfora da moeda. Se um movimento tem uma liderança clara e firme, tem um objetivo, defende interesses bem determinados, essa liderança pode incluir ou excluir de sua tática ações que estejam de acordo ou em desacordo com os objetivos colimados, estimulando ou cerceando os atores que as praticariam. Por outro lado, interesses assim configurados são excludentes, na medida em que não correspondem a um desejo generalizado da sociedade que, ao contrário do que imaginam os ideólogos, não anseia, de modo uniforme, pela especial receita de felicidade política que eles, ideólogos, preconizam.
Se, por outro lado, o movimento é aberto e negativamente reivindicatório (no sentido esclarecido em outra postagem) não há como ser escoimado de participações indesejáveis (e não são indesejáveis porque assim foram classificados em uma censura ideológica, mas por falta de autenticidade, por compromisso fraudulento com algo que não é a reivindicação em si). Só esse, porém, é o tipo de movimento que pode empolgar toda a sociedade e que, a meu juízo, pode estar acontecendo agora.

De minha parte, estou velho, aposentado e privado de fontes especializadas de informação, mas os acontecimentos que vejo me trazem  à lembrança a frase com que, outrora, os participantes dos jogos de cartas eram alertados por terceiros contra a possibilidade de estarem sendo enganados mediante prática fraudulenta a serviço do adversário: tem peru na roda!

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Minhas pernas, o sapoti e a vaia de D. Dilma

Dia 17 de junho, coloquei na tribuna de todos nós, o Facebook, uma foto da concentração de manifestantes diante do Shopping Iguatemi, em Salvador, com a seguinte mensagem: “Eu não estou ali porque sou um velho de pernas trôpegas. Meus netos estão, e ME REPRESENTAM”. A postagem suscitou vários comentários.  Em resposta a um deles, que procurava comparar o que acontece hoje com a chamada “passeata dos cem mil”, no Rio de Janeiro, em 1968, afirmei que o que hoje se vê é bem mais importante, e escrevi: “Em 68 a opção era entre esquerda e direita, em um mundo bipartido entre autoritarismos. A opção de hoje é entre um regime enganador e falido e um início de expressão da cidadania, em um mundo que se abre. É MUITO diferente!”
Reconheço a natureza polêmica de afirmativas desse tipo. Portanto, creio adequado desenvolver um pouco mais minha asserção. Começo pela metáfora do sapoti.
O sapoti é uma das frutas mais saborosas que o clima tropical produz. Entretanto, para ser apreciado na plenitude de seu delicado sabor tem de ser colhido maduro, quando cai espontaneamente do pé. Colhido antes, é duro e insuportável pela quantidade de tanino, popularmente chamado “cica”. Amadurecido “à força”, pode ficar mais adocicado, mas não se compara ao fruto madurado naturalmente no seu devido tempo. O problema é que as aves e os morcegos atacam o fruto maduro, de modo que é raro que se encontre um sapoti caído que já não esteja rompido e precocemente apodrecido.
Assim são as manifestações do povo.
De lenta maturação, servem, ainda verdes, à manipulação por interesses muito particulares, que nada têm a ver com a autenticidade imaginada pelos primeiros teóricos da democracia representativa – aquilo que, no século XX, Habermas chamaria de interesses universalizáveis.
Por outro lado, as ações político-partidárias facciosas, as pressões dos formadores de opinião, a orquestração de interesses poderosos também podem fazer com que, ao amadurecer, a opinião popular se torne precocemente apodrecida em um comportamento de massa particularizado e irrelevante.
Minha (polêmica) tese é a de que estamos diante de um sapoti maduro, isto é, de uma manifestação autêntica e poderosa e, antes de ser acusado de ingenuidade inadmissível, gostaria de explicar detidamente meu ponto de vista.
Aparentemente, tudo se inicia com a elevação do preço das passagens de ônibus na cidade de São Paulo em 20 centavos. Logo, todo o país se incendeia com manifestantes questionando desde o custo do transporte público até a corrupção generalizada. Cria-se, então, um movimento articulado, mas não coordenado, que quer muitas coisas e parece nada querer de modo específico. Aliás, a falta de um objetivo claro foi uma das críticas feitas e esse movimento.
Creio que o movimento tem a força do que costumo chamar reivindicação negativa. Este tipo de reivindicação não se faz para conseguir algo certo e determinado, mas representa a indicação de que um presente estado de coisas é intolerável. Uma reivindicação negativa não pode ser apaziguada pela concessão dos anéis para que se preservem os dedos; mais cedo ou mais tarde, mudanças substanciais precisarão ocorrer, porque a existência de reivindicações negativas indica, precisamente, o esgotamento de um modo de convivência que não pode ser preservado apenas com pequenos reparos.
Se um movimento é feito para reivindicar mais verbas para a saúde ou educação, é uma reivindicação positiva a favor de algo inexistente. Se for feito um movimento para derrubar o governo, tratar-se-á de uma reivindicação positiva contra algo existente. Na reivindicação negativa, não: o que se veicula é que o estado de coisas presentes é intolerável, é que como está não pode continuar, mesmo que não se saiba precisamente o que deve vir depois, ou – o que é mais frequente – que diferentes grupos e participantes tenham receitas de futuro diversas.
A força dos movimentos de reivindicação negativa deriva precisamente disso: eles não buscam algo especifico, buscam o fim de um estado de coisas, deixando em aberto o futuro. O que pode vir é desdobramento do movimento reivindicatório, mas não sua consequência previsível, já que não opera sob o controle da força de um grupo que o tenha organizado – porque tal grupo inexiste.  Os grupos organizadores, que podem estar inseridos no movimento, fazem reivindicações positivas, sejam elas a favor de fatos ou coisas inexistentes, sejam contrárias a fatos ou coisas existentes.
É difícil perceber uma reivindicação negativa, mesmo entre os que a fazem. Por isso, ela ou aparece como pluralidade de reivindicações que parecem erráticas e fracamente correlacionadas ou se afigura reivindicação por algo amplo e genérico que, sem operacionalização, nada significa.
Na verdade, o povo quer respeito. É difícil traduzir “respeito” em uma lista finita de providências concretas. Trata-se de uma atitude diferente no trato da coisa pública. Trata-se de seriedade e razoabilidade nas ações.
Esse movimento não é partidário, mas é profundamente político. O povo não quer derrubar o governo, mas quer derrubar o desgoverno. O povo não quer extinguir a corrupção de um partido, mas quer extinguir a corrupção, não em certos e determinados casos, mas como atitude rotineira no desenrolar das atividades de Estado. O povo não quer verbas específicas, mas quer que o dinheiro público seja empregado com critério.
Esse movimento significa, sobretudo, a recusa de confiança do povo nos grupos políticos que empolgam o poder. Ninguém ficou imune. Não há partido ou personalidade que mereça , hoje, um voto de confiança tal que possa governar sem transparência e sem prestar minuciosas contas do que esteja fazendo. O povo descobriu que os governantes são nossos empregados, que nos pediram emprego pela televisão na época das eleições e, portanto, não podem ser deixados a si próprios como se estivessem gerindo coisa sua.  O povo precisa vigiar o Estado, porque, como diz o ditado interiorano, “é o olho do dono que engorda o gado”.
D. Dilma, coitada, entra nisso como Pilatos no Credo. Estava no lugar certo na hora errada. As vaias que recebeu não são tão relevantes assim. Não sei em Brasília, mas no Maracanã, no Rio de Janeiro, a única personalidade não ligada ao futebol que algum dia foi aplaudida em vez de vaiada foi o general Emílio Garrastazu Médici. Era ditador, mas era popular. Que fazer? Getúlio Vargas também foi ditador e também foi popular. O povo, na verdade, jamais se importou muito com democracia ou ditadura. O sapoti estava verde. Agora é diferente. O sapoti amadureceu. A Constituição Cidadã do doutor Ulysses ajudou a fazer cidadãos. Essa é a grande novidade.

Ser cidadão não é só ir às ruas e reivindicar como quem sabe que pode exigir. A cidadania ainda está sendo descoberta. Quando for plenamente entendida, terá acontecido a primeira revolução verdadeira na história do Brasil. Na África, tudo começou por um tapa na cara desferido contra o camelô tunisino  Mohamed Bouazizi. No Brasil pode ter começado por vinte centavos.

terça-feira, 18 de junho de 2013

O Muro de Berlim está caindo... no Brasil

Em 1968, uma onda de protestos libertários espalhou-se pela Europa, alegadamente deflagrada pela punição, na França, a um universitário que fora encontrado em “visita íntima” no dormitório das meninas (ou vice-versa, estou citando de memória). O mote da revolta era: “É proibido proibir.”
Quando os ventos europeus de 1968 chegaram ao Brasil, a reivindicação negativa de Danny le Rouge (Daniel Marc Cohn-Bendit, de nacionalidade alemã, mas estudante na França) assumiu a forma de uma reivindicação positiva contra algo: a Ditadura. Sim, havia um governo autoritário cuja margem irrestrita de poder o caracterizava como ditatorial. Entretanto, a letra maiúscula que uso não representa qualquer homenagem minha a essa forma de regime. Uso a letra maiúscula para caracterizar Ditadura como nome próprio, isto é, para referir-me àquela ditadura.
De minha parte, considero a democracia mais conveniente que qualquer ditadura, até do que aquela que me tivesse como ditador.  Não era o caso em 1968. Nem todos os grupos que se opunham à Ditadura tinham, como alternativa ideal, a democracia. Na verdade, muitos deles ficariam felizes se a Ditadura fosse substituída por outra: a ditadura do proletariado que, como Lênin explicou, enquanto este não tivesse consciência de classe, teria de ser exercitada pela vanguarda do proletariado, o Partido, no qual pontificava o Comitê Central sob a iluminada liderança do carismático e infalível Secretário Geral. Fora assim que  Iossif Vissarionovitch Djugashvili, geralmente conhecido como Stalin, tornara-se ditador da União Soviética e, após a segunda guerra mundial, a conduzira na chamada Guerra Fria, o confronto político-ideológico com o  “bloco ocidental”, liderado pelos Estados Unidos.
A Guerra Fria foi um confronto de poder entre duas potências hegemônicas, disputando o mundo globalizado que se anunciava ainda discretamente. Como todo confronto de poder, cada lado escudava-se em uma capa de respeitabilidade ética, defendendo valores que seduziriam seus possíveis súditos: do lado americano, a liberdade; do lado soviético, a revolução proletária mundial.
No Brasil a Guerra Fria produziu o golpe militar de 1964, que possibilitou a Ditadura. Esta se acabaria em 1985, pelo mesmo mecanismo que a havia produzido: a Guerra Fria, neste caso em processo de deterioração. Formalmente extinta em 1991, pelo desmantelamento da União Soviética, a Guerra Fria teve, como ícone mais marcante de seu fim, a derrubada do Muro de Berlim, em 1989. O Muro de Berlim havia sido uma parede de concreto construída e, com o tempo, reforçada entre os lados leste (socialista) e oeste (capitalista) da cidade de Berlim. Desse modo, o muro representava fisicamente a fronteira nítida entre o domínio político da esquerda e o domínio político da direita, nos sentidos em que esses termos eram usados em meados do século XX. A Guerra Fria era, portanto, um confronto entre esquerda e direita.
O golpe militar de 1964 representou uma “derrota” da esquerda no plano bélico. Entretanto, teve e tem entre nós razoável sucesso a estratégia preconizada por Antonio Gramsci (genial pensador e um dos fundadores e líderes do Partido Comunista Italiano) para reverter a hegemonia cultural das classes dominantes. A ideia de Gramsci, em grandes linhas, é que, pelo controle dos meios de comunicação, das organizações religiosas e, sobretudo, do magistério, é possível reformar a mentalidade das gerações vindouras, de modo a criar, na superestrutura social, as condições que a revolução proletária produziria, se fosse viabilizada.
Feliz ou infelizmente, não vem ao caso, no Brasil nada é levado tão a sério assim. Desse modo, o relativo êxito da hegemonia cultural da esquerda traduziu-se pela demonização da direita, mais que por efetivas alterações no pensamento real da sociedade. Ocorreu que, ao mesmo tempo que a esquerda passava a ser clandestina, por temor da perseguição estatal, a direita também passava ser clandestina, por “vergonha cultural”. Ninguém mais no Brasil era de direita.  “Ser de direita” virara um palavrão, abundantemente distribuído a adversários políticos de qualquer matiz. Então, passou a ser comum ver pessoas verbalizarem o discurso da esquerda, porque é “de bom tom”, e pensarem e agirem de forma diferente, sem mesmo perceberem a contradição, porque o próprio significado do discurso só ficara corretamente inteligível a alguns ideólogos conscientes.
Como se sabe, o verdadeiro democrata é o oposto do “dono da verdade”, ou seja, é o oposto dos ideólogos de extremismos, tanto de direita quanto de esquerda. Não é, portanto, surpreendente que a contraposição à Ditadura tenha sido liderada, no seu aspecto mais visível, por opositores que, se pudessem, ficariam satisfeitos com outra ditadura: a sua própria ou de seus amigos.
Criou-se a lenda eleitoral de que a esquerda derrotara a Ditadura e conquistara a democracia. Não é verdade, mas, dizem os italianos, si non è vero è ben trovato, que se pode traduzir livremente como “é uma bela história, mesmo que não seja verdadeira”. Em política, como se sabe, a verdade é, em grande parte, irrelevante; os efeitos decorrem principalmente do que se imagina que seja e não do que é.
A transição brasileira para a democracia foi consentida. Um parecer do ministro Neri da Silveira transformado em Resolução do Superior Tribunal Eleitoral declarou a inaplicabilidade da fidelidade partidária no Colégio Eleitoral, possibilitando juridicamente a eleição de Tancredo Neves. Isto certamente foi facilitado pelo fato de ter o notório senhor Paulo Maluf atropelado o último general-presidente, João Baptista de Oliveira Figueiredo, fazendo-se candidato pela Arena contra a vontade deste.
Tancredo Neves, um homem de centro, fora apoiado pela esquerda. Depois do breve interregno de Collor/P.C. Farias, vêm Fernando Henrique, considerado um homem de esquerda, e a quintessência da esquerda tolerada pelo regime militar: Luís Inácio Lula da Silva. O partido de Fernando Henrique, o PSDB, estruturara-se a partir de intelectuais de esquerda que, antes, formavam os “puros” do PMDB, qualificativo difícil de ser explicado e entendido, tratando-se de política partidária. O partido de Lula, o PT, tinha, em seus estatutos originais, compromisso com a revolução socialista, depois abrandado em tempos de democracia. Era, portanto, a esquerda no poder.
É verdade que o PT no poder não é o mesmo PT da oposição. Disseram-no, mais por atos que por palavras, o então presidente Lula e o então todo-poderoso ministro Dirceu quando defenestraram, por mal ou por bem, os petistas coerentes que saíram para fundar o PSOL. Entretanto, o governo que aí está, chefiado por D. Dilma, invenção política de Lula de quem fora um alter ego tecnicamente competente na administração do governo, é a esquerda “clássica” em toda sua glória: os derrotados de ontem, hoje vitoriosos, graças à democracia.
Chegamos, assim, às manifestações de junho de 2013. Não se trata de um movimento contra o governo e a favor da oposição. Não se trata de um protesto da esquerda contra a direita. A direita, no Brasil, com cara e identidade de direita, já havia desaparecido há muito tempo. Restava uma esquerda “clássica”, parada no tempo, ainda "lutando contra a Ditadura” e que, como a Carolina de Chico Buarque, não viu o tempo passar na janela.
Essa esquerda “clássica” acaba de ser enterrada pelos jovens na rua, que representam os interesses que ela, a esquerda, deveria estar defendendo, só que eles, os jovens, não querem, para isso, uma ditadura. Tal qual os que derrubaram o muro de Berlim e os regimes ditatoriais do leste europeu, com protestos e passeatas, eles não querem algo especifico, mas, apenas, denunciam que “isso que ai está” não pode continuar.
Este governo e seu principal partido não representam mais o santo guerreiro da esquerda personalizada contra o dragão da maldade da direita mais ou menos identificada. Acaba-se, desse modo, a sacralização dos que se arrogavam santidade política em virtude de terem “derrubado” a Ditadura. Acaba-se a blindagem de um grupo político que, alegadamente, é – e só ele o é – o defensor do povo e o único adversário político de nebulosas “elites” (que certamente existem, mas jamais são precisamente identificadas; como fantasma, o inimigo é mais assustador).

É o Muro de Berlim caindo no Brasil. A sociedade chegou a seu limite de tolerância com "isso que aí está", e não há salvadores da Pátria previamente ungidos a quem recorrer. 

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Quadrilhas e quadrilhas



Durante os festejos de S. João, feéricos no Nordeste e relativamente acanhados no Sudeste e no Sul, um dos pontos altos da festa é a dança da quadrilha.
Um sertanejo caricato, de camisa xadrez berrante, chapéu de palha desfiado nas bordas, falsos remendos na calça de brim e, por vezes, bigode e cavanhaque grosseiramente simulados por marcas de rolha queimada apossa-se do microfone. Quando a sanfona se faz ouvir, começa a marcar a quadrilha: “Alavantu”... “anarriê”...
A seu comando, movem-se cavalheiros e damas cuidadosamente ataviados: rapazes em figurino parecido ao do marcador e moças em vestidos longos de chitão, adornados de rendas, fitas e enfeites exagerados, combinando com as tranças postiças dos cabelos e maquiagem de mau gosto, não raramente sarapintada de preto, em simulação de sardas.
Não sei bem se deva aqui reconhecer uma tradição ou a chacota politicamente incorreta ao mimetismo estropiado que o homem do campo fazia das quadrilhas dançadas nos salões aristocráticos. Nestes, um melífluo e amaneirado mestre de cerimônias orientava os movimentos de homens e mulheres, vestidos com a elegância da época, ordenando em francês escorreito: “Messieurdames, en avant tous... en arrière...
Estas imagens me vieram à mente quando a ministra Rosa Weber, em voto na Ação Penal 470, abriu uma dissidência para absolver do crime de quadrilha os réus acusados de corrupção passiva, pertencentes ao chamado “núcleo político”, no que foi acompanhada pela ministra Carmen Lúcia.
Se bem as compreendi, suas excelências entenderam que o caso em julgamento caracterizava mero concurso de pessoas para a prática de crime que as beneficiava individualmente e não o crime de quadrilha ou bando, de que trata o art. 288 do Código Penal. Na visão das ministras, para que se considere que atuam em quadrilha, é preciso que as pessoas sobrevivam dos produtos do crime e atuem com interesse de perturbar a paz pública. Pareceu-me – até pelos exemplos aduzidos pela ministra Rosa Weber – que suas excelências consideram a paz pública vulnerável apenas a indivíduos socialmente estigmatizados pela marginalidade caracterizada pelo modo de vida por eles assumido e neles reconhecido pela sociedade.
Este entendimento parece ser compartilhado pelo público em geral. Em outra sessão, um jovem professor de direito, convidado pela emissora televisiva Globo News, tentava explicar a aplicação ao caso da teoria do domínio do fato e afirmava que esse era um modo de tratarem-se crimes perpetrados por grandes e complexas organizações criminosas. Exemplificando com o PCC (Primeiro Comando da Capital), fez veemente ressalva para esclarecer que não estava comparando a organização criminosa da Ação Penal 470 com o PCC.
Por que não? – pergunto eu.
O ministro Celso de Mello em seu luminoso voto esclareceu a questão: “Entendo que o Ministério Público expôs na peça acusatória eventos delituosos revestidos de extrema gravidade e imputou aos réus ora em julgamento ações moralmente inescrupulosas e penalmente ilícitas que culminaram, a partir de um projeto criminoso por eles concebido e executado, em verdadeiro assalto à Administração Pública, com graves e irreversíveis danos ao princípio ético- jurídico da probidade administrativa e com sério comprometimento da dignidade da função pública, além de lesão a valores outros, como a integridade do sistema financeiro nacional, a paz pública, a credibilidade e a estabilidade da ordem econômico-financeira do País, postos sob a imediata tutela jurídica do ordenamento penal. [...] O sistema constitucional instituiu normas e estabeleceu diretrizes destinadas a obstar práticas que culminem por patrimonializar o poder governamental, convertendo-o, em razão de uma inadmissível inversão dos postulados republicanos, em verdadeira “res domestica”, degradando-o, assim, à condição subalterna de instrumento de mera dominação do Estado, vocacionado, não a servir ao interesse público e ao bem comum, mas, antes, a atuar como incompreensível e inaceitável meio de satisfazer conveniências pessoais e de realizar aspirações governamentais e partidárias.[...] A corrupção deforma o sentido republicano de prática política, compromete a integridade dos valores que informam e dão significado à própria ideia de República, frustra a consolidação das instituições, compromete a execução de políticas públicas em áreas sensíveis como as da saúde, da educação, da segurança pública e do próprio desenvolvimento do País, além de afetar o próprio princípio democrático. [...] Esses vergonhosos atos de corrupção parlamentar, profundamente lesivos à dignidade do ofício legislativo e à respeitabilidade do Congresso Nacional, alimentados por transações obscuras idealizadas e implementadas em altas esferas governamentais, com o objetivo de fortalecer a base de apoio político e de sustentação legislativa no Parlamento brasileiro, devem ser condenados e punidos com o peso e o rigor das leis desta República, porque significam tentativa imoral e ilícita de manipular, criminosamente, à margem do sistema constitucional, o processo democrático, comprometendo-lhe a integridade, conspurcando-lhe a pureza e suprimindo-lhe os índices essenciais de legitimidade, que representam atributos necessários para justificar a prática honesta e o exercício regular do poder aos olhos dos cidadãos desta Nação. Esse quadro de anomalia, Senhor Presidente, revela as gravíssimas consequências que derivam dessa aliança profana, desse gesto infiel e indigno de agentes corruptores, públicos e privados, e de parlamentares corruptos, em comportamentos criminosos, devidamente comprovados, que só fazem desqualificar e desautorizar, perante as leis criminais do País, a atuação desses marginais do Poder.”
Portanto – digo eu – a atuação desses “marginais do poder” não é menos lesiva à paz pública do que a dos marginais que aparecem nas reportagens policiais. São até piores, porque, em vez de a perturbarem na superfície, ferem basilarmente a paz pública ao desmoralizarem a própria essência dos princípios democráticos e republicanos. Desse modo, retiram credibilidade à ordem jurídica cuja sacralidade no imaginário popular é a essência da estabilidade social.
No Brasil, é costumeiro que só se veja gravidade – se é que se vê – nos atos de corrupção em proveito financeiro próprio. Os mentores dessa grande e complexa organização criminosa não encheram os próprios bolsos, mas colocaram sua ação deletéria a serviço de um projeto de poder político. Isto não os exime de execração. A demolição dos alicerces da ordem republicana, tão bem enfatizada pelo eminente ministro Celso de Mello, é o crime maior contra o sistema político que o povo quis consagrar na Carta Magna de 1988.
Não discuto as tecnicalidades jurídicas expendidas pelas ilustres ministras Rosa Weber e Carmen Lúcia. Observo, apenas, que a diferença entre a quadrilha do PCC e a do mensalão parece-me semelhante à diferença entre a quadrilha da roça e a dos salões: diversas na aparência, idênticas na substância. Com a agravante de que é a quadrilha dos salões do poder que me desperta maior repugnância.

domingo, 23 de setembro de 2012

Dona Dilma, Pôncio Pilatos e o mensalão, ou quando a qualidade se torna defeito


Pôncio Pilatos é personagem bíblica com historicidade confirmada pelos autores judeus Filon de Alexandria e Flávio Josefo, além de por uma pedra, encontrada, em 1961, nas ruinas de Cesareia Marítima, que identifica seu nome com a função de Praefectus da Judeia.
D. Dilma, por sua vez, é personagem da história do Brasil como presidente da República eleita em 2010, em impressionante fenômeno de imposição política interna (ao Partido dos Trabalhadores) e transferência de votos dos eleitores do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. A historicidade de D. Dilma é comprovada por numerosos documentos, muitos deles publicados no Diário Oficial, grande parte integrando as notícias da mídia escrita, falada e televisiva. Entre estes, chama a atenção a nota, divulgada por “Dilma Rousseff, Presidenta da República Federativa do Brasil”, que se refere a voto do “senhor ministro Joaquim Barbosa”, proferido na Ação Penal 470, em julgamento no Supremo Tribunal Federal.
É difícil estimar qual das duas personagens é mais conhecida entre nós. Sabe-se que nem todos os cidadãos brasileiros estão suficientemente informados, quanto à estrutura do Estado, à função dos agentes políticos e, até, ao nome da Chefe de Estado e do governo que, à época da campanha eleitoral, muita gente simples referia como “a mulher do Lula”.  Creio, entretanto, que a totalidade dos adeptos brasileiros do cristianismo, em todas as suas variantes, pelo menos ouviu falar de Pôncio Pilatos, o homem que, na versão edulcorada de Mateus (capítulo 27), Marcos (capítulo 15), Lucas (capítulo 23) e João (capítulos 18-19), teria autorizado, docemente constrangido, a crucificação de Jesus.
O uso dessa linguagem reticente deve-se ao fato de que a historicidade de Pilatos está estabelecida, mas seu comportamento descrito nos evangelhos canônicos é curiosamente implausível.
Pilatos era um militar oriundo da ordem equestre, para quem a prefeitura da Judeia era uma realização significativa. Não era um estadista nem um político. Sua brutalidade e ausência completa de sensibilidade apoiam-se em fatos registrados, assim como sua capacidade de trucidar inocentes sem o menor constrangimento. Embora esse fosse um comportamento normal para o método romano de dominação, o caso de Pilatos era suficientemente excessivo para que seu superior, o legado romano da Síria, o mandasse voltar a Roma, a fim de explicar-se com o imperador Tibério. Este, entretanto, faleceu, e o destino do prefeito foi resolvido no primeiro ano do reinado de Calígula.
Discrepa agudamente do que se sabe do Pilatos histórico a ideia de que tal homem trataria os sacerdotes e homens do povo com punhos de renda, quase implorando para que o deixassem salvar aquele que havia mandado açoitar selvagemente, cedendo, ao final, com relutância, ao brado terrível – sanguis eius super nos et super filios nostros (Mateus 27:25) – exclamação que, pelos séculos, seria um piedoso fundamento do antissemitismo. Mais duvidosa se torna a precisão do relato quando nos recordamos de que os evangelhos foram escritos no final do século I, quando a rebelião na Palestina havia tornado os judeus inimigos notórios do Império. Nessa mesma época, o programa paulino de expansão do cristianismo já se havia imposto e seria de toda conveniência que a “seita dos nazarenos” se distanciasse do judaísmo. Nada, portanto, mais conveniente que a mensagem: “quem matou nosso Mestre foram os judeus, não Roma, cujo representante quis desesperadamente protegê-lo”
A narrativa bíblica, porém, independentemente de sua precisão factual, apresenta um conteúdo dramático que tem valor em si mesmo como fonte de inspiração e ensinamento. Reporto-me à narrativa de João. Pilatos teria escrito, para ser afixado na cruz, o delito que o crucificado havia cometido – Iesus Nazarenus Rex Iudaeorum (João 19:19). Diante do protesto dos sacerdotes, que queriam que o prefeito alterasse seu texto, para explicar que o condenado se dizia rei dos judeus, a resposta foi: quod scripsi, scripsi! (João 19:22) – o que escrevi, escrevi!
Esta constatação teria sido útil a D. Dilma, em uma versão paralela: o que falei, falei! D. Dilma foi ouvida judicialmente no processo do chamado mensalão e declarou-se “surpresa” com a velocidade da aprovação de medida legislativa proposta pelo governo em certa data. Só isso. Isto aconteceu e foi dito pelo ministro Joaquim Barbosa, relator da Ação Penal 470. Em nenhum momento a cidadã brasileira Dilma Rousseff que, como qualquer do povo, cumpriu sua obrigação de, legalmente convocada, esclarecer a Justiça, negou ter proferido as palavras que o ministro relator a ela atribuiu. Inopinadamente – e eu diria estarrecedoramente, se alguma coisa ainda houvesse para estarrecer nesta República – ao mesmo tempo em que D. Dilma, a cidadã, nada teve para questionar, D. Dilma, a presidente da República, permitiu-se, nessa qualidade, corrigir um ministro do Supremo Tribunal Federal quanto ao modo como deveria interpretar ou utilizar um depoimento nos precisos termos em que se encontra no processo.
Pilatos sabia que o que ele havia escrito, estava escrito. Era um ato perfeito. Como diz o provérbio, três coisas não podem retornar para serem alteradas: a flecha lançada, a palavra proferida e a oportunidade perdida. D. Dilma, correndo atrás da palavra proferida em uma espécie de tentativa de explicar que o que disse, disse, mas não queria dizer, perdeu a oportunidade de praticar outro ato de sabedoria de Pilatos, antes da condenação infame. Diz Mateus (27:24): Videns autem Pilatus quia nihil proficeret, sed magis tumultus fieret, accepta aqua, lavit manus coram turba dicens: “ Innocens ego sum a sanguine hoc; vos videritis! – Então Pilatos, vendo que nada aproveitava, antes o tumulto crescia, tomando água, lavou as mãos diante da multidão, dizendo: Estou inocente do sangue deste justo. Considerai isso.
Ao contrário do romano, D. Dilma, vendo que nada aproveita, antes a possível condenação dos “justos” de seu partido torna-se cada dia mais ameaçadora – uma inovação quase revolucionária neste país das Bruzundangas de Lima Barreto – em vez de manus lavare achou-se no direito – e no meu ponto de vista na (duvidosa) obrigação – de afrontar imprudentemente a independência dos poderes, um dos pilares do Estado Democrático de Direito.  Não fora a compostura do ministro Barbosa, sabendo controlar seu impulsivo temperamento em favor de um bem maior, e a sábia tranquilidade do presidente do Supremo, o ministro Ayres Britto, poder-se-ia estar diante de uma crise constitucional.
Não acredito que ela tenha feito isso porque imaginasse que sua excelência o ministro relator ou qualquer de seus eminentes pares vá tremer diante do sobrolho cerrado do Palácio do Planalto, mas porque imagina dever isto a seu mentor, o ex-presidente Lula, acusado pelo ministro Gilmar Mendes de tentar interferência explícita na pauta da Suprema Corte, como parte do projeto de varrer o mensalão para debaixo do tapete político, o que só se obteria mediante um final jurídico pífio para o rumoroso e volumoso processo.
A passagem dos anos afastou-me a alegria algo pueril de citar a mim mesmo, no passado, para, corroborado pelo presente, afirmar triunfante: eu não disse? Portanto, é quase com escusas que relembro ter escrito, em 11 de setembro de 2010, sob o título D. Dilma, o poste o o cardeal Roncalli, o seguinte: “acredito -- apenas acredito -- que D. Dilma tentará apaziguar o PT e não decepcionar Lula.  Isso perturbará, talvez, os dois primeiros anos de seu governo.  Mas dizem que D. Dilma tem pavio curto.  Vai chegar um momento em que ela vai perceber que não pode deixar de governar para atender a exigências ideológicas ou fisiológicas do partido. Um pouco depois, talvez, a notória diferença de capacidade administrativa (não estou falando de capacidade político-eleitoral) entre D. Dilma e seu patrono, a favor dela, vai fazer com que ela o decepcione, por mais que tente não fazê-lo”. 
Quando o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso referiu-se, em artigo publicado, à “pesada herança” deixada por Lula, D. Dilma apressou-se a responder, por meio de nota em que elogiava a maravilha transmitida a ela pelo antecessor. O PT exultou. Lula ficou satisfeito, e D. Dilma também, por ter marcado um “gol de placa” político-partidário. Isto foi importante, porque a superioridade administrativa do governo Dilma e, mesmo, sua maior preocupação ética já causavam desagrado nas hostes do grupo mais chegado ao mítico Luís Inácio.
Entretanto, D. Dilma parece não ter percebido a diferença entre defender um líder ou grupo político contra artigo de um oposicionista e criticar o voto de um ministro do Supremo Tribunal Federal. O ministro Joaquim Barbosa não inventou nem distorceu o depoimento constante dos autos. Ele o utilizou no seu voto conforme entendeu adequado. Cabe a seus pares concordar ou não, como, aliás, tem acontecido. Cabe à defesa dos réus contestar a decisão colegiada dentro das regras do devido processo legal. É tudo aberto, transparente, com o amplo direito de defesa sobejamente assegurado. O ministro Joaquim Barbosa não é infalível, que o diga o ministro Ricardo Lewandowski, que também não o é. Os debates em plenário, nem sempre propriamente amenos, transcorrem como é natural entre juízes independentes. O ministério público apresentou seu arrazoado, acolhido no todo, em parte ou recusado pelos julgadores, considerada a prova dos autos e a defesa dos réus, formulada por escrito e em sustentação oral. Tudo isso é normal, assim como normal é, em países civilizados (embora ainda não usual no Brasil), a condenação de corruptos, quadrilheiros e lavadores de dinheiro de alto coturno.
Devo confessar que tenho simpatia por D. Dilma e admiro a lealdade dela, que considero autêntica e sincera, a seu criador político. Entretanto, como sabe qualquer pessoa razoavelmente instruída, Estado, governo e grupo político no poder são três coisas diferentes. Ao ser eleita Chefe de Estado e do governo, ela deixou o papel de mera servidora ou líder consentida do grupo político no poder para exercer funções constitucionalmente regulamentadas para o Estado brasileiro e toda sua sociedade. Neste caso, as qualidades da gratidão e da fidelidade canina a seu mentor deixam de ser positivas para tornarem-se grave defeito na gestão político-institucional. Se D. Dilma deixar de disputar a reeleição em benefício do ex-presidente Lula, eu posso lamentar, mas admirarei e respeitarei o gesto de desapego e disciplina partidária. Entretanto, como presidente (ou presidenta, como ela prefere) não lhe assiste o direito de praticar atos que desmerecem sua presidência pelo simples fato de existirem, sem mencionar a inútil associação de sua imagem a crimes com os quais nada indica que tenha cumplicidade.
Espero que a rápida indicação do ilustre e impoluto ministro Teori Zavascki para a vaga deixada no STF pela aposentadoria do ministro Peluso não esteja acompanhada por alguma esperança de aumentarem-se as possibilidades de prescrição dos crimes que provocaram a Ação Penal 470 em virtude de um eventual pedido de vistas regimental, o que seria, no caso, perfeitamente justificado pelo volume do processo. Assim como D. Dilma no caso da aprovação do marco regulatório do setor de energia elétrica, a presteza da indicação do novo ministro também surpreendeu muita gente, eu inclusive. A carreira do ministro Teori Zavascki é, quanto a isso, tranquilizadora. Entretanto, a desastrada nota presidencial suscita o temor de que sua excelência esteja a entrar em uma armadilha, na expectativa de ser seu zelo jurídico utilizado para fins alheios ao caráter e à competência, inequívocos ambos, do eminente magistrado.
A jornalista Dora Kramer registrou: “Muito já se viu nesse Brasil, mas presidente da República responder a voto de ministro do Supremo Tribunal Federal, francamente, é a primeira vez.” Que pena tenha sido D. Dilma a inauguradora dessa aberração institucional!

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Madame de Sevigné, dona Dilma e a liderança da oposição

A marquesa de Sevigné (nascida Marie de Rabutin-Chantal) foi uma escritora francesa que viveu entre 1626 e 1696, praticamente durante o reinado de Luís 14, o Rei Sol. Em época na qual as mulheres ainda não se destacavam pelas atividades intelectuais, ela tornou-se famosa pela contribuição à literatura epistolar de seu idioma.  Suas cartas à filha, narrando o cotidiano, além de primorosas, guardam valiosas informações quanto à vida no século 17, enriquecidas não apenas pelas minúcias dos acontecimentos, mas pelas reflexões com que a marquesa as acompanha.
Em uma de suas cartas, Madame de Sevigné conta uma peça que o rei Luís 14 pregou ao marechal de Grammont, fidalgo de antiga estirpe.  Diz a autora que, um dia, o rei mostrou ao cortesão um madrigal, forma poética então em grande voga, e lhe disse:
– Senhor marechal, leia, por favor, este madrigal e diga-me se já viu algum mais tolo e ridículo, porque desde que se soube que eu gosto de poesia eu os recebo de todas as qualidades.
O marechal leu e respondeu:
– Senhor, Vossa Majestade julga divinamente bem acerca de todas as coisas.
– Não é verdade, senhor marechal, – prosseguiu o rei – que quem o redigiu é um idiota?
– Senhor, – disse o marechal – não há como chamá-lo de outra maneira.
Então o rei, retomando o madrigal, concluiu:
– Senhor marechal, obrigado por ter falado com tanta franqueza.  Fui eu mesmo que o fiz.
O marechal, em pânico, pediu:
– Senhor, que traição! Devolva-me o madrigal.  Eu o li de modo superficial.
E o rei:
– Não, senhor marechal, as primeiras palavras são sempre as mais sinceras.
Madame de Sevigné informa que o rei riu muito dessa bobagem, e assim toda a corte, que considerou ser esta a pior pequena maldade que se pode fazer a um velho cortesão.
A história do madrigal me veio à mente ouvindo o primeiro pronunciamento de D. Dilma Rousseff, recém eleita presidente do Brasil.
O discurso foi primoroso. Completamente diferente de tudo que se viu e ouviu na campanha eleitoral. Foi um discurso ponderado, com altitude de estadista. Quase desprovido de emoção, valeu pela precisão técnica, em termos de conceitos e oportunidade. Embora não tenha tocado em todas as questões que precisarão da atenção presidencial, arrolou muitas das mais importantes, chegando ao cúmulo de deixar entrever uma intenção de ajuste fiscal, sem usar, é claro, esta expressão, que soa como palavrão aos ouvidos do PT.
Prometeu responsabilidade e combate à corrupção e ofereceu aos que não a acompanharam não um chamamento ao adesismo, mas a proposta de uma convivência digna e democrática.
Durante o discurso, tentei imaginar aquelas frases na boca do presidente Lula, mas nada mais distante da retórica do antigo líder operário.  Em vez disso, a voz que se insinuava era a do deputado e ex-ministro Antônio Palocci, que, aliás, acompanhava a presidente eleita o tempo todo, desde que ela saíra de casa.
Palocci é um homem de grande sensibilidade política, ameno no trato e excelente negociador, além de ser dotado de bom descortino.  Foi execrado pelo episódio da quebra ilegal do sigilo bancário de um cidadão cujo depoimento em Comissão Parlamentar de Inquérito comprometeria o então poderoso ministro, afirmando sua presença em uma casa mais do que suspeita, onde Palocci afirmava nunca ter estado. Afastado, por isso, do cargo, ele foi julgado e absolvido de todos os malfeitos que lhe foram imputados. Portanto, mesmo que não seja um integrante das coortes angélicas caído, por descuido, na face da Terra, é um político bastante aceitável, mesmo em tempos de ficha limpa.
Ao ouvir D. Dilma, desejei que, como afirmou o rei de França, na narrativa da marquesa de Sevigné, suas primeiras palavras tenham sido as mais sinceras.
Mas não foi só D. Dilma que falou algo importante naquele dia.  Pouco antes do discurso da nova presidente, divulgou-se uma nota do senador eleito Aécio Neves, cujo tom é o de líder da oposição.
A nota é polida, mas representa uma atitude opositora firme e civilizada, configurando-se, também, como palavras de um estadista.  Fiquei feliz em ver que o simpático rapaz cujo maior mérito inicial era ser neto de Tancredo Neves, tendo amadurecido pessoal e politicamente e sido consagrado por uma grande vitória eleitoral no estado que governara com brilho, se havia tornado uma alternativa viável de poder, na jovem democracia brasileira.
O discurso de D. Dilma e a nota do senador Aécio assemelham-se, pela elegância e pelo conteúdo democrático, aos grandes debates entre o Governo de Sua Majestade e a Leal Oposição de Sua Majestade, na terra em cuja história foram semeados e cultivados os ingredientes fundamentais da democracia moderna.
Com eles contrasta o discurso fragmentário e um tanto desconexo do candidato derrotado, José Serra, feito bem depois que a vencedora do pleito havia falado.
Visivelmente abatido, beirou a indelicadeza e, embora tenha conclamado as forças que o apoiaram a permanecerem em combate, não convenceu como fala de uma liderança. Seu esquecimento, reparado na última hora, em citar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e a completa omissão do nome do senador Aécio Neves mostram que a contrariedade e o desapontamento perceptíveis na ocasião têm uma explicação mais abrangente que a mera perda na competição eleitoral.
Voltando ao discurso de D. Dilma, desejo a ela e a todos nós que seu governo esteja à altura do discurso inaugural. E se pudesse aconselhá-la, recomendaria que meditasse as palavras de Madame de Sevigné ao fim da carta em que conta a história do madrigal: “Eu, que gosto de refletir sobre as coisas, desejaria que o rei também fizesse isso e percebesse o quanto sua posição o afasta de saber sempre a verdade”.